A maioria das empresas não hesitaria em dar folga a seus funcionários quando um membro de sua família morre. Mas a mesma regra se aplicaria a animais de estimação?
Quando o cachorro de cinco anos da britânica Katie Adkins, Golias, morreu inesperadamente, ela diz que foi “como perder um melhor amigo”.
“Golias foi o primeiro cachorro que realmente chamei de meu. Ele passou por muita coisa comigo: amigos, colegas de quarto, mudanças. Por exemplo, estava comigo quando comprei minha primeira casa”.
Então, quando a empresa onde trabalha lhe deu dois dias de folga para lamentar a morte de Golias, Adkins ficou incrivelmente grata. Sua chefe “foi muito simpática. Ela me disse para não me preocupar com nada relacionado ao trabalho e levar o tempo que precisasse para me recuperar”.
A maioria dos chefes não é tão generosa — um pedido como o de Adkins pode causar surpresa em muitos ambientes de trabalho.
Mas, em meio à crescente popularidade dos animais de estimação, devemos ter direito a folgas quando nosso pet morre?
Segundo a GfK, a maior empresa de pesquisa de mercado da Alemanha, mais da metade das pessoas no mundo tinha pelo menos um tipo de animal de estimação, como cachorro, gato, peixe ou pássaro, em 2016.
“Nos últimos cinco a dez anos, houve uma proliferação de (animais de estimação), mudando a forma como nos relacionamos com eles”, diz Dan Ryan, especialista em recrutamento da Sociedade Americana para Gestão de Recursos Humanos.
Ryan destaca procedimentos que se tornaram cada vez mais populares para animais de estimação, como quimioterapia, antidepressivos e cirurgias de substituição de articulações. O mercado pet é um negócio muito lucrativo — no ano passado, de acordo com a Euromonitor International, o setor faturou US$ 110 bilhões globalmente.
Essa popularidade se reflete no ambiente de trabalho, já que mais empresas oferecem vantagens como “Traga seu cachorro para o escritório”.
Outras incorporaram isso em sua cultura diária: as sedes das gigantes do Vale do Silício, como Google e Amazon, estão repletas de cachorros.
Uma empresa de marketing na cidade americana de Minneapolis chegou a permitir que funcionários tirassem licença não remunerada para passar um tempo com seu novo animal de estimação.
Mas quando tivermos que nos despedir deles para sempre, contaremos com a empatia dos nossos patrões?
Adkins trabalha no estado americano do Tennessee como especialista em marcas digitais da Mars PetCare, a maior empresa de alimentos para animais de estimação dos Estados Unidos.
Embora pareça óbvio que uma empresa desse tipo conceda dias de folga a seus funcionários após a morte de seus pets, cada caso é avaliado individualmente.
Mas isso poderia mudar?
Será que a gente deve ter permissão para tirar uma folga pela morte de um animal de estimação?
“Minha reação imediata, do ponto de vista do RH, seria não”, opina Susan Stehlik, diretora do programa de comunicação gerencial da Universidade de Nova York.
Mas, depois de pensar extensivamente sobre o assunto, Stehlik mudou de ideia. Ela diz acreditar que gestores precisam mostrar compaixão: “Você tem que entender que as pessoas demonstram afeto de forma diferente”, diz ela. “No dia em que seu chefe não se mostra solidário a sua dor, você percebe que está um ambiente de trabalho hostil”.
Recusar tais pedidos pode gerar um ambiente de trabalho improdutivo, acrescenta Cary Cooper, professor de psicologia organizacional da Universidade de Manchester, no Reino Unido. “Sem poder lamentar a morte do animal de estimação, o funcionário está presente fisicamente, mas não traz nenhum valor agregado para a empresa”, diz.
Atestado de óbito?
O problema, segundo Ryan, é limitar possíveis abusos. “Como provar que as pessoas têm realmente um pet? Você vai receber um atestado de óbito do seu veterinário? É um desafio”.
Cooper diz acreditar, no entanto, que poucas pessoas abusariam do benefício. Segundo ele, ninguém mais tem estabilidade no trabalho – “os empregos não são mais para a vida”. Para o especialista, um comportamento abusivo poderia se tornar uma boa prerrogativa para o RH na hora de cortar custos.
“Há um contrato psicológico entre empregado e empregador” quando um benefício é concedido, diz Cooper. “Os funcionários têm que honrar sua parte do contrato, ou seja, entregar valor agregado”.
E por que sofremos tanto por animais de estimação quanto por pessoas?
Instituir uma definição clara de um “animal de estimação” pode complicar as coisas, diz John Bradshaw, diretor de fundação do Instituto de Antropologia da Universidade de Bristol, no Reino Unido, que estuda a relação entre animais e humanos há muito tempo.
“Não acho que seja viável para os empregadores oferecer dias de folga pela perda de um animal de estimação”, diz ele. “Não porque o luto do dono não seja genuíno, mas porque é difícil categorizar o que é um ‘animal de estimação'”.
Por exemplo, enquanto os proprietários podem considerar peixes e répteis como animais de estimação, a Associação Médica Veterinária Americana inclui apenas cães, gatos, pássaros de gaiola e cavalos como “animais de companhia”.
“Assim, é difícil decidir quem deve ter direito a folga ou não”, diz Bradshaw.
Ryan concorda e, segundo ele, são necessárias regras bem definidas.
Bradshaw também argumenta que existem “diferenças sutis entre o sofrimento sentido por animais de estimação e aquele sentido por membros da família”.
Muitos donos de animais, por exemplo, conseguem aplacar sua dor ao ganhar um novo animal de estimação meses depois, enquanto o luto pela perda de um membro da família dura muitos anos mais.
Por outro lado, cada vez mais empresas decidem acomodar as novas necessidades de seus funcionários. Não é possível ignorar o assunto – dados revelam que 68% das famílias americanas têm um animal de estimação, por exemplo. No Brasil, segundo a Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação, há 132 milhões de animais de estimação no país, a quarta maior população do mundo.
“Os números estão aí”, diz Stehlik. “As empresas precisam se adaptar a essa nova realidade.”
Fonte: BBC