A possiblidade de contar com uma parte do faturamento assegurado previamente é algo que faz os olhos de qualquer empresário brilharem.
Em momentos de crise, quem tem algum fluxo de receita recorrente no seu negócio garante mais fôlego.
Apoiado em assinaturas com pagamento mensal de uma quantia fixa, o modelo propicia, além da receita recorrente, clientes fiéis e estoques previsíveis. Resolve três gargalos cruciais para um varejista.
Porém, afora alguns exemplos no setor de tecnologia e do BtoB (e claro, as empresas jornalísticas), era difícil conseguir montar e manter um negócio apoiado no modelo de receita recorrente, também conhecido como modelo de assinatura.
Especialmente no varejo, parecia impossível desviar o consumidor do rumo das lojas físicas e das compras decididas na hora.
Desde o sucesso do Netflix e do Spotfy, no entanto, foi possível constatar que o mundo digital faz um par perfeito com os serviços por assinatura. Estava pavimentado o caminho para se viver da receita recorrente.
À MODA AMERICANA
O sucesso do modelo no mercado de varejo americano foi tão grande que suscitou a expressão Economia da Recorrência.
Em um segmento que já movimenta mais de US$ 10 bilhões, qualquer produto ou serviço passou a ser visto como vendável por meio desse formato.
A prova final da viabilidade no sistema foi a adesão das grandes marcas, como a Gillette, da P&G, e a Nespresso, da Nestlé.
As maiores empresas de consumo do mundo estão fazendo experiências ou já adotaram o modelo como uma opção de comercialização, aproveitando o atalho aberto pelas startups.
No Brasil, o velho sistema de venda por assinatura renasceu pelas mãos do ecommerce e de startups espertas e vem encantando os consumidores por sua conveniência, custo menor e, em alguns casos, por dar acesso a produtos de distribuição restrita.
Também aqui, grandes companhias aderiram. Veterana, a Brastemp adota o sistema para a linha de purificadores de água; o Pão de Açúcar criou um clube de assinatura chamado Viva Vinhos; do outro lado do balcão, a Editora Abril implantou um marketplace para os clubes, a Go Box, com serviços de tecnologia e logística para as empresas interessadas.
O TESTE DO VINHO
Nascido como um site para venda de vinhos, o Wine criou em 2010 o seu serviço de assinatura, ClubW, hoje o mais bem sucedido exemplo desse modelo no país.
Atingiu 100 mil assinantes que garantem, com receita recorrente, 45% dos R$ 250 milhões do faturamento anual da empresa.
No Brasil, especialistas estimaram que mais de mil startups, ofertando os mais diversos produtos, estavam nas pegadas do Wine.
Embora o segmento ainda não tenha números formalizados, as estimativas de faturamento estavam em torno de R$ 1 bilhão em 2014.
O modelo parece beneficiar qualquer comércio – de fraldas a produtos orgânicos, de lentes de contato a maquiagem – e tem a bênção de consultores e fundos de investimento.
A PERGUNTA QUE NÃO QUER CALAR
A grande pergunta que ainda inibe muitos empreendedores é: o modelo de assinatura veio para ficar ou será mais um modismo em vias de se tornar saturado?
“O sistema está bem amadurecido no exterior”, diz Pedro Guasti, presidente do Ebit, empresa especializada em informações sobre o varejo digital. “E vem expandindo no Brasil com entradas bem planejadas.”
Por suas vantagens para o negócio, segundo Guasti, “apresenta-se como mais uma opção estratégica para o comércio online”.
Entre as vantagens, ele cita a grande redução do custo de “aquisição de cliente”, um dos pilares mais onerosos do comércio.
Em um clube de assinatura, depois que o consumidor for incorporado à base do lojista, a receita garantida faz o faturamento crescer sem grandes custos.
Uma vantagem adicional é o fato de o cliente não precisar tomar novas decisões de compra, porque o custo da assinatura já foi incorporado ao seu orçamento.
O presidente do Ebit também não considera que o sucesso do modelo possa colocar em risco o formato tradicional do varejo.
“Tudo é varejo. Num mercado em que as pessoas estão conectadas, as empresas estão cada vez mais integrando ferramentas para levar ao consumidor uma boa experiência.”
ROTINA X RARIDADES
Como saber se seu negócio comporta a criação de um clube de assinatura? No Brasil, surgiram dois tipos de clubes.
O primeiro são os que comercializam kits com itens de rotina, que precisam ser repostos regularmente, como produtos de limpeza, fraldas, lâminas de barbear, produtos para pets, frutas.
No segundo, estão os clubes que oferecem uma seleção de produtos feitas por especialistas, geralmente difíceis de encontrar no mercado. Alguns incluem pré-lançamento de produtos.
Apresentados como serviços de curadoria, estão relacionados ao mundo gourmet (vinho, cerveja artesanal, azeites, ingredientes e receitas especiais), da moda (sapatos e maquiagem) e cultural (livros adultos e infantis e discos de vinil).
Não basta o produto estar encaixado em um desses formatos. Entre as perguntas que o empreendedor precisa se fazer é qual benefício seu produto vai oferecer ou que necessidade atenderá se for entregue por esse sistema.
A outra questão é ter clareza sobre seu público-alvo. Os consumidores ainda estão se acostumando com este tipo de relacionamento e como em tudo, os jovens estão mais abertos para a novidade.
Resolvidas estas questões, chega a hora de implantar o negócio. A complexidade não se diferencia da criação de qualquer e-commerce.
A diferença surge no pós-venda. Com uma assinatura ou contrato de longo prazo, a empresa pode descansar um pouco porque garante uma receita mínima sem precisar colocar uma equipe de vendas todo dia na rua.
Por outro lado, tão importante quanto atrair, é reter o cliente. Para funcionar e crescer, os serviços de assinatura precisam colocar toda a atenção na gestão da carteira de clientes, no fluxo de estoque e no sistema de pagamento.
Existem tecnologias para todas estas fases. Um passo em falso em qualquer uma delas e lá se vai a confiança do consumidor no modelo de assinatura.