Embora editada antes da pandemia, uma medida provisória aprovada pela Câmara em 2020 ajudará a reforçar o caixa da União, regulamentando a negociação de dívidas tributárias.
A MP 899/19 foi convertida na Lei 13.988/20 e a expectativa do governo é regularizar a situação de 1,9 milhão de contribuintes, que devem cerca de R$ 1,4 trilhão.
As dívidas em questionamento administrativo chegam a R$ 640 bilhões em processos no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).
O texto prevê desconto de até 70% para pessoas físicas, pequenas e microempresas, santas casas e instituições de ensino, além de organizações não governamentais. Nesses casos, o prazo de parcelamento das dívidas será de 145 meses, exceto para débitos envolvendo a contribuição previdenciária do empregado e do empregador, cujo o prazo máximo será de 60 meses, conforme determina a Constituição.
Para incluir as micro e pequenas empresas nesse tipo de transação, o Plenário aprovou o projeto de lei complementar do deputado Marco Bertaiolli (PSD-SP), que aguarda análise pelo Senado.
A proposta também abre novo prazo para que micro e pequenas empresas possam optar pelo Simples Nacional, um regime de tributação especial previsto na Lei Complementar 123/06.
Pagamento da folha
Pequenas e médias empresas puderam contar com uma linha de crédito especial para pagarem a folha de salários durante a emergência decorrente do coronavírus. A norma consta da MP 944/20, transformada na Lei 14.043/20.
O empréstimo foi permitido para financiar os salários e também as verbas trabalhistas por quatro meses. Além de empresários, sociedades empresárias e sociedades cooperativas, exceto as de crédito, puderam recorrer ao empréstimo as sociedades simples, as organizações da sociedade civil e os empregadores rurais (pessoas físicas ou jurídicas).
Para pedir o empréstimo, o interessado precisava ter obtido, em 2019, receita bruta anual superior a R$ 360 mil e igual ou inferior a R$ 50 milhões.
As operações de empréstimo puderam ocorrer até 31 de outubro de 2020. O contrato especifica as obrigações da empresa, entre as quais a de não demitir, sem justa causa, os empregados durante o período da contratação e por até 60 dias após a liberação da última parcela da linha de crédito, na mesma proporção da folha de pagamento financiada.
Chamado de Programa Emergencial de Suporte a Empregos, o mecanismo conta com repasse de R$ 17 bilhões da União para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), agente financeiro do governo a título gratuito, ou seja, sem remuneração.
Recuperação judicial
Com o objetivo de facilitar as negociações entre credores e devedores no período da pandemia, o Plenário da Câmara dos Deputados aprovou o PL 1397/20, do deputado Hugo Leal (PSD-RJ), que está em análise no Senado.
O texto cria regras transitórias para empresas em recuperação judicial e também para tentar evitar que outras empresas em dificuldades cheguem a esse ponto, antecedente à falência.
As medidas abrangem situações ocorridas desde 20 de março deste ano, e algumas terão vigência até 31 de dezembro de 2020, data prevista para o fim do estado de calamidade pública devido à pandemia de Covid-19.
Durante 30 dias serão suspensas as execuções judiciais ou extrajudiciais de garantias, as ações judiciais que envolvam obrigações vencidas após 20 de março de 2020, a decretação de falência, a rescisão unilateral ou ações de revisão de contrato.
Nesse tempo, o devedor e seus credores poderão buscar, de forma extrajudicial e direta, renegociar suas obrigações. Se não houver acordo, o devedor que comprovar redução igual ou superior a 30% de seu faturamento, comparado com a média do último trimestre do ano anterior, terá direito a mais 90 dias de suspensão se o juiz aceitar o pedido de negociação preventiva.
Para os processos iniciados ou aditados durante o período de vigência da futura lei (31 de dezembro de 2020), o texto muda algumas regras para facilitar a recuperação judicial.
Sistema S
Por três meses, as empresas tiveram um alívio de caixa pela redução em 50% das contribuições devidas ao Sistema S, conforme previu a MP 932/20, transformada na Lei 14.025/20.
A medida alcança as contribuições devidas às seguintes entidades: Sescoop (setor de cooperativas), Sesi e Senai (indústria), Sesc e Senac (comércio), Sest e Senat (transporte) e Senar (rural).
O Sistema S reúne um conjunto de entidades privadas vinculadas ao sistema sindical patronal responsável por aplicar recursos na formação profissional e na prestação de serviços sociais aos trabalhadores. As entidades são mantidas pelas contribuições, pagas compulsoriamente pelos empregadores, que incidem sobre a folha de salários com alíquotas variadas.
Financiamento para microempresa
Com a aprovação do PL 1282/20, do Senado, o Plenário da Câmara dos Deputados concedeu uma linha de crédito especial para micro e pequenas empresas pedirem empréstimos de valor correspondente a até 30% de sua receita bruta obtida no ano de 2019.
A proposta, convertida na Lei 13.999/20, prevê que a União colocará R$ 15,9 bilhões no Fundo Garantidor de Operações (FGO-BB), a ser gerido pelo Banco do Brasil, para conceder garantia de até 85% do valor emprestado pelos bancos participantes do Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe) .
A taxa anual que poderá ser cobrada no empréstimo será a Selic (atualmente em 3,75%) mais 1,25%. O prazo de pagamento será de 36 meses, com carência de oito meses para começar a pagar as parcelas.
Nesse intervalo de tempo, a empresa deverá manter a mesma quantidade de empregos existente quando da assinatura do empréstimo.
O público-alvo é de empresas com receita bruta de até R$ 4,8 milhões ao ano, segundo definido no Estatuto da Micro e Pequena Empresa.
No caso daquelas com menos de um ano de funcionamento, o limite do empréstimo será de até 50% do seu capital social ou até 30% da média de seu faturamento mensal apurado desde o início de suas atividades, o que for mais vantajoso.
Profissionais liberais
Várias categorias de profissionais liberais poderão acessar linha de crédito em condições vantajosas, conforme prevê o PL 2424/20, do Senado, aprovado pela Câmara.
O texto, transformado na Lei 14.045/20, beneficia profissionais como advogados, corretores e arquitetos, exceto aqueles com participação societária em pessoa jurídica ou com vínculo empregatício de qualquer natureza.
Segundo a lei, a linha de crédito, criada no âmbito do Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe) , terá taxa de juros de 5% ao ano mais a taxa Selic e prazo de 36 meses para pagar, dentro dos quais até oito meses poderão ser de carência com juros capitalizados.
Cada profissional, tanto de nível técnico quanto de nível superior, poderá pedir empréstimo em valor até 50% do rendimento anual declarado na Declaração de Ajuste Anual (DAA) de 2019, mas o limite será de R$ 100 mil por pessoa.
Precatórios
Em julho, a Câmara dos Deputados aprovou proposta que regulamenta acordos diretos da União, incluídas autarquias e fundações, para o pagamento com desconto (de até 40%) dos precatórios de grande valor. O texto foi transformado na Lei 14.057/20.
O PL 1581/20, do deputado Marcelo Ramos (PL-AM), prevê que as propostas poderão ser apresentadas tanto pela administração federal quanto pelo credor até o momento da quitação integral do valor do precatório.
No caso dos acordos firmados durante a vigência do estado de calamidade pública devido à Covid-19, o montante obtido pelo governo com os descontos nos precatórios deverá ser usado no financiamento de ações de combate à doença. Aqueles firmados depois da pandemia deverão servir para amortizar a dívida pública federal.
Já o parcelamento proposto não poderá ser maior que oito parcelas anuais e sucessivas se o título executivo judicial já tiver transitado em julgado; ou maior que 12 parcelas anuais e sucessivas, caso não tenha transitado em julgado. O trânsito em julgado ocorre quando não há possibilidade de recorrer mais da decisão.
Fundos setoriais
O governo federal poderá recompor seu orçamento com a liberação de cerca de R$ 167 bilhões retidos em 26 fundos setoriais.
A medida consta do Projeto de Lei Complementar (PLP 137/20), que está em análise no Senado. De acordo com o projeto, dos deputados Mauro Benevides Filho (PDT-CE) e André Figueiredo (PDT-CE), o dinheiro servirá para o combate aos efeitos econômicos provocados pela pandemia de Covid-19.
Os recursos desvinculados dos 26 fundos deverão ser destinados também às despesas orçamentárias da União cujas fontes de financiamento apresentaram queda de arrecadação.
Quanto ao Fundo Social, um dos que têm recursos retidos, o texto deixa de fora a parcela destinada à educação. O Fundo Social foi criado para recolher os recursos da venda de petróleo do pré-sal que cabe à União nos contratos de exploração por partilha.
Crédito emergencial
Para complementar o Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe) , a Câmara dos Deputados aprovou a MP 975/20, que cria um programa emergencial de crédito para pequenas e médias empresas.
A matéria, convertida na Lei 14.042/20, prevê que o total dos empréstimos concedidos terá garantia da União até o limite de R$ 20 bilhões. As instituições financeiras participantes do Programa Emergencial de Acesso a Crédito (Peac-FGI) poderão contar com garantia de 30% do valor total emprestado a empresas com receita bruta de R$ 360 mil a R$ 300 milhões em 2019.
O texto cria ainda o Paec-Maquininhas, destinado a conceder empréstimos a microempresários, microempreendedores individuais (MEI) e empresas de pequeno porte que tenham realizado vendas por meio das máquinas de pagamento dando como garantia os valores ainda a receber de vendas futuras.
Os empréstimos, que servem como adiantamentos de fluxo de caixa, terão taxa de juros de até 6% ao ano sobre o valor concedido, mas a taxa é capitalizada mensalmente.
A dívida poderá ser contraída até 31 de dezembro de 2020 e o prazo para pagar será de 36 meses, dentro do qual está incluída carência de seis meses para começar a pagar.
O valor do crédito que poderá ser concedido será limitado ao dobro da média mensal das vendas feitas por maquininhas e até o máximo de R$ 50 mil por contratante.
Cadastro negativo
Devido às dificuldades financeiras das empresas por causa da diminuição da atividade econômica, o Plenário da Câmara dos Deputados aprovou projeto que suspende por 90 dias a inclusão de novos inscritos em cadastros negativos como Serasa e SPC.
O PL 675/20, dos deputados Denis Bezerra (PSB-CE) e Vilson da Fetaemg (PSB-MG), foi vetado integralmente pelo presidente da República Jair Bolsonaro.
Segundo o texto aprovado, a suspensão vale apenas para inadimplência registrada após 20 de março de 2020, ou seja, relacionada com as consequências econômicas provocadas pelas medidas de isolamento social usadas no combate ao coronavírus.
A proposta autoriza ainda a Secretaria Nacional do Consumidor do Ministério da Justiça a prorrogar a suspensão das novas inscrições nos cadastros de devedores enquanto durar a calamidade.
Contribuição previdenciária
Com a aprovação do PL 985/20, o Plenário da Câmara dos Deputados permite a suspensão, por até três meses, do pagamento da contribuição previdenciária patronal e também proíbe a aplicação de multa pela falta de entrega de declarações e documentos fiscais.
A matéria, da deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC), será analisada pelo Senado.
A suspensão da contribuição patronal ocorrerá por meio do Regime Tributário Emergencial (RTE-Covid19), cujo objetivo é preservar empregos e atividades econômicas afetadas pela pandemia de coronavírus.
O prazo inicial da suspensão é de dois meses, prorrogável por mais um mês pelo Executivo.
O empregador que aderir poderá pagar o acumulado sem juros e multa de mora até o dia 20 do segundo mês seguinte ao da publicação da futura lei.
Outra opção é o pagamento parcial com o parcelamento da diferença ou mesmo parcelar todo o devido em 12 vezes mensais sem multa de mora.
Turismo
A Lei 14.002/20, oriunda da MP 907/19, transformou a Embratur, uma autarquia federal, em serviço social autônomo, que poderá contratar funcionários pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) .
Aprovada pela Câmara dos Deputados em abril, a norma permite à Embratur ajudar no processo de repatriação de brasileiros impossibilitados de retornar ao País por causa de pandemia, guerra, convulsão social, calamidade pública, risco iminente à coletividade ou qualquer outra circunstância que justifique a decretação de estado de emergência.
Entretanto, a principal fonte de financiamento da Embratur foi vetada pelo presidente Jair Bolsonaro. Assim, ela não contará mais com o adicional da tarifa de embarque internacional, hoje direcionado ao Fundo Nacional de Aviação Civil (Fnac).
A outra fonte de arrecadação, parte dos recursos do Sistema S, tinha sido excluída pelos parlamentares na tramitação da MP.
Outro veto atingiu ainda a diminuição, de 25% para 6%, do imposto de renda incidente nas remessas ao exterior por parte de empresas e pessoas físicas para cobrir gastos com viagens de turismo, negócios, serviço, treinamento ou missões oficiais.
Também foi vetado dispositivo que isentava as empresas aéreas do imposto de renda devido no pagamento, a empresas estrangeiras, de prestações de leasing de aeronaves e motores.
Remarcação de eventos
Em relação aos eventos dos setores de turismo e cultura prejudicados pela pandemia, a MP 948/20 estabelece regras para o cancelamento e a remarcação de serviços e reservas. O texto foi transformado na Lei 14.046/20.
A remarcação dos eventos adiados deverá ocorrer no prazo de 12 meses, contado do fim do estado de calamidade pública, previsto para 31 de dezembro de 2020.
Uma alternativa à remarcação é a concessão de crédito para uso ou abatimento na compra de outros serviços, reservas e eventos disponíveis nas respectivas empresas. Nesse caso, o crédito também poderá ser usado em 12 meses após o fim da calamidade pública.
Seguem os mesmos critérios de remarcação e crédito os shows e espetáculos, cinemas, teatro, plataformas digitais de vendas de ingressos pela internet, prestadores de serviços turísticos, meios de hospedagem, agências de turismo, transportadoras turísticas, organizadoras de eventos, parques temáticos e acampamentos turísticos.
Setor aéreo
Para o setor aéreo, a Câmara dos Deputados aprovou a MP 925/20, que disciplina o reembolso e a remarcação de passagens de voos cancelados durante a pandemia de Covid-19 e prevê ajuda ao setor aeronáutico e aeroportuário. A matéria foi transformada na Lei 14.034/20.
Sobre o reembolso em razão do cancelamento de voos entre 19 de março e 31 de dezembro de 2020, o texto prevê o pagamento ao consumidor em 12 meses, a contar da data do voo cancelado.
O valor deverá ser corrigido pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), mas a companhia aérea poderá oferecer ao passageiro a opção de receber um crédito de valor igual ou maior que o da passagem. O consumidor ou terceiro indicado por ele poderá utilizar o crédito dentro de 18 meses de seu recebimento para a compra de produtos ou serviços oferecidos pelo transportador.
De maneira semelhante, o reembolso das tarifas aeroportuárias ou de outros valores devidos a entes governamentais pagos pelo comprador da passagem deverá ocorrer em até sete dias. Alternativamente, o consumidor poderá aceitar um crédito nesse valor para usar em outras viagens.
A MP também acaba com o adicional de embarque internacional a partir de 1º de janeiro de 2021.
Já as concessionárias de aeroportos poderão pagar as parcelas anuais de outorga da concessão até 18 de dezembro de 2020, podendo inclusive renegociar os prazos e valores a pagar de parcelas futuras.
Ações
Dano moral na Justiça por danos morais (extrapatrimoniais) contra companhias aéreas dependerão de o consumidor provar que houve prejuízo para pedir indenização por problemas no serviço. “Casos fortuitos” não darão direito a indenizações, como decretação de pandemia ou de outros atos que restrinjam as atividades aeroportuárias