1. AS FONTES DO DIREITO DO TRABALHO E A INTERVENÇÃO MÍNIMA
O artigo 8º da CLT, até então, colocava a legislação trabalhista brasileira na vanguarda deste ramo do direito, comparando com o resto do mundo. O caput desse artigo, preconiza o uso de diversas fontes do direto para resolução das lides, inclusive o arbítrio do magistrado com uso da equidade para equilibrar a relação jurídica entre empregador e empregado.
Isto significa dizer que sempre houve uma preocupação do Estado em proteger, ou dar algum tipo de garantia ao trabalhador, para que este, não ficasse à mercê do empregador, já detentor dos capitais e meios de produção.
Ocorre que com a nova redação da CLT, incluindo o § 3º no artigo 8º com o seguinte texto:
§ 3º No exame de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, a Justiça do Trabalho analisará exclusivamente a conformidade dos elementos essenciais do negócio jurídico, respeitado o disposto no art. 104 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), e balizará sua atuação pelo princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva.”(NR) Grifei.
O novo texto deixa claro que há uma limitadora ao juiz para tomar suas decisões, principalmente com base no que está “pactuado” entre patrão e empregado, no contrato de trabalho. Destarte, deixa igualmente claro que a nova postura do Estado frente a instituição do trabalho, é deixar que as partes resolvam seus interesses, não existe mais o princípio protetivo ao trabalhador.
2. O TRABALHO INTERMITENTE
O artigo 443 também ganhou um novo parágrafo, o texto traz a seguinte redação:
§ 3º Considera-se como intermitente o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria.”(NR)
Essa modalidade, indubitavelmente é interessante para muitas empresas, todavia, transforma os empregados em elementos descartáveis, que em determinados momentos, não possuem serventia à organização.
Marcos Verlaine, 2016, faz reflexões baseadas no que já acontece na Espanha, sobre o trabalho intermitente:
O empregado, por sua vez, na maioria dos casos, fica vinculado àquele contratante, de modo exclusivo. Pois bem, este trabalhador ou trabalhadora é chamado, em geral pelo telefone celular, sempre que o contratante necessita de seus préstimos. Assim, se, por exemplo, sou contratado por uma empresa de enlatados para trabalhar em uma determinada máquina, sou chamada por 4 horas, vou lá, trabalho por 4 horas, recebo minhas horas e aguardo a empresa me chamar novamente.
Ela me chama por 8 horas, vou lá, faço às 8 horas, recebo por estas 8 horas e vou embora e aguardo a empresa me chamar e assim por diante.
Se a empresa não quiser mais meus serviços simplesmente não me chamará mais, ou melhor, meu telefone celular não tocará. Pronto, termina a relação contratual: sem despedidas, sem indenizações, nem mesmo um obrigado ou um até logo.
A criação dessa modalidade corrobora a inclinação interpretativa do tópico: a nova geração dos governantes do Estado, na atualidade, não tem nenhum interesse em tutelar aqueles que já são os hipossuficientes nas relações jurídicas entre empregadores e empregados.
3. ALTERAÇÕES NOS CONTRATOS DE TRABALHO
O artigo 468 trata das alterações dos contratos de trabalho. O parágrafo único desse artigo transformou-se em parágrafo primeiro, com a inserção do parágrafo 2º, lê-se:
§ 2º A alteração de que trata o § 1º deste artigo, com ou sem justo motivo, não assegura ao empregado o direito à manutenção do pagamento da gratificação correspondente, que não será incorporada, independentemente do tempo de exercício da respectiva função.”(NR).
O texto reflete uma tendência jurídica já existente, no sentido de vincular adicionais de função ao cargo do empregado e não a pessoa. Porém, o texto, não deixa claro a forma com que a empresa pode fazer tal alteração no contrato de trabalho. Podendo, então, fazê-lo de forma abrupta, o que pode causar, seguramente, prejuízos ao empregado, devido a expectativa de recebimento de um valor que fatalmente será menor e modificando todo um orçamento familiar.
4. DA RESCISÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
As alterações feitas no artigo 477 é um dos mais sinistros desta reformorréia trabalhista. A começar pelo parágrafo primeiro, revogado. Tratava da obrigação da homologação perante a entidade sindical, os contratos de trabalho com mais de um ano de vínculo.
Consequentemente, o parágrafo 3º também foi suprimido, tratando dos órgãos que poderiam substituir a atuação do sindicato nas homologações de rescisões de contrato de trabalho.
Os prazos de pagamento também tiveram drástica alteração: toda e qualquer rescisão, a partir de agora, tem o prazo de 10 dias para se acerto, seja aviso prévio trabalhado, indenizado ou por contrato de trabalho a termo.
4.1 Ônus nas Assistências das Rescisões de Contrato de Trabalho
O § 7º do artigo 477 da CLT, previa que o ato da assistência das homologações de contrato de trabalho, não teriam ônus para empresas ou empregados, ou seja, prestada assistência de forma gratuita. Ocorre que o § 7º foi revogado!
Neste ponto façamos a reflexão: já é cediço público e notório, que as contribuições sindicais, outrora obrigatórias e compulsórias, doravante, passam a ser opcionais. Uma vez, não sendo obrigatório o pagamento das contribuições sindicais, poucos empregados contribuirão com o sindicato; de outro lado, a lei deixando de proibir o ônus nas assistências das homologações de rescisões de contrato de trabalho, é razoável prever que o sindicato fará cobrança de tarifa para prestar assistências rescisórias. Dessa forma, a lei compensaria a perda dos repasses oriundos das contribuições sindicais e começaria a cobrar por serviços elementares.
Assim, o legislador colocará sindicato contra trabalhador, enfraquecendo toda a classe trabalhadora, dispersando-os.
Eis o que torna essa reforma tão sinistra, entre outras alterações. A população trabalhadora não se verá representada por seus sindicatos que acabarão por falta de participação popular.
5. O REGULAMENTO EMPRESARIAL
Por fim, chegamos as alterações previstas nos artigos 611-A e 611-B. Segundo advogada Aline Luziana, 2017, “(…) parecer da Comissão de Constituição e Justiça, um dos maiores méritos da reforma está no que prevê o art. 611-A, que estabelece a regra da prevalência da convenção coletiva e do acordo coletivo de trabalho, e no que dispõe o art. 611-B, que especifica taxativamente um marco regulatório com as matérias que não podem ser objeto de negociação, por serem direitos que se enquadram no conceito de indisponibilidade absoluta.”
Vejamos os direitos indisponíveis pelos trabalhadores, nos termos do novo artigo 611-B:
“Art. 611-B. Constituem objeto ilícito de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho, exclusivamente, a supressão ou a redução dos seguintes direitos:
I – normas de identificação profissional, inclusive as anotações na Carteira de Trabalho e Previdência Social;
II – seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário;
III – valor dos depósitos mensais e da indenização rescisória do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) ;
IV – salário mínimo;
V – valor nominal do décimo terceiro salário;
VI – remuneração do trabalho noturno superior à do diurno;
VII – proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa;
VIII – salário-família;
IX – repouso semanal remunerado;
X – remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em 50% (cinquenta por cento) à do normal;
XI – número de dias de férias devidas ao empregado;
XII – gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal;
XIII – licença-maternidade com a duração mínima de cento e vinte dias;
XIV – licença-paternidade nos termos fixados em lei;
XV – proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei;
XVI – aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei;
XVII – normas de saúde, higiene e segurança do trabalho previstas em lei ou em normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho;
XVIII – adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas;
XIX – aposentadoria;
XX – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador;
XXI – ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho;
XXII – proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador com deficiência;
XXIII – proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito anos e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos;
XXIV – medidas de proteção legal de crianças e adolescentes;
XXV – igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso;
XXVI – liberdade de associação profissional ou sindical do trabalhador, inclusive o direito de não sofrer, sem sua expressa e prévia anuência, qualquer cobrança ou desconto salarial estabelecidos em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho;
XXVII – direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender;
XXVIII – definição legal sobre os serviços ou atividades essenciais e disposições legais sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade em caso de greve;
XXIX – tributos e outros créditos de terceiros;
XXX – as disposições previstas nos arts. 373-A, 390, 392, 392-A, 394, 394-A, 395, 396 e 400 desta Consolidação.
Parágrafo único. Regras sobre duração do trabalho e intervalos não são consideradas como normas de saúde, higiene e segurança do trabalho para os fins do disposto neste artigo.”
Todos estes direitos já estão previstos na Constituição de 1988, e, se não estivessem, também não estariam no art. 611. No entanto, excluindo estes institutos, os trabalhadores não terão a possibilidade de “negociação”, pois o art. 611-A, fala do Regulamento Empresarial, onde as empresas poderão parametrizar qualquer coisa em seu regimento interno e terá prevalência sobre a lei.
Isto posto, é o mesmo que dizer: se um empregado não concordar com uma disposição da empresa, esta, simplesmente, não o contrata. Assim, quando os níveis de desemprego ficarem astronômicos e os trabalhadores começarem a sentir todo tipo de necessidades, terminarão por aceitar quaisquer condições de trabalho, para levar comida às suas casas.
Naturalmente não acontecerá com todos, mas ainda serão muitos os empresários aplicarão estes novos institutos perversos, praticamente revogando a Lei Áurea.
CONCLUSÃO
Modernizar as relações de trabalho, mais do que uma necessidade, um fato consistente. Porém, a falácia é desmentida em outros artigos não citados neste pequeno artigo, que, transformam a legislação trabalhista (outrora progressista), tão moderna quando quanto as esparsas leis de década de 20 no século passado.
Destarte, o texto foi aprovado e sancionado pelo Presidente ao custo de várias emendas parlamentares (doação de dinheiros a deputados e senadores) para votarem a favor dessas propostas, em que pese toda campanha do Ministério Público do Trabalho (entre órgãos) para tentar evitar tamanha barbárie contra o trabalhador brasileiro.
Outra solução não resta ao povo, senão organizar-se novamente, como fizeram no passado, e, é claro, votar com muita consciência e conhecimento nos candidatos, seja para presidente, senador, governador, deputado federal ou estadual, prefeito, vereador ou até mesmo síndico do prédio. Somente assim, os interesses reais da nação estarão acima dos interesses de alguns poucos indivíduos.