Navegar pelo mar de leis e normas impostas no Brasil não é tarefa fácil. As inúmeras barreiras regulatórias custam tempo, dinheiro e colocam o Brasil em um vergonhoso 123° lugar no ranking do Doing Business, relatório do Banco Mundial sobre a capacidade de fazer negócios, que analisa 190 países.
Calcula-se em 2.600 horas o tempo médio gasto anualmente por um empresário brasileiro para preparar guias, formulários e declarações e pagar os seus tributos, uma conta alta que faz parte do Custo Brasil.
Em meio ao cipoal da burocracia, o Simples Nacional, ou Supersimples, surgiu como um ambiente bem mais propício aos negócios, transformando-se em pouco tempo num verdadeiro celeiro de empreendedores.
O regime simplificado completou uma década em julho passado, é um sistema jovem, inovador, algo como uma tábua de salvação para os pequenos empresários que necessitam estar imunes ao intrincado e complexo sistema tributário e regulatório.
Os números comprovam o êxito dessa política pública em seus dez anos de existência. As micro e pequenas empresas representam atualmente mais de 90% das companhias brasileiras, respondem por mais de um quarto do Produto Interno Bruto (PIB) e são as maiores empregadoras do País.
Nos últimos dez anos, as micro e pequenas empresas (MPEs) geraram mais de 10 milhões de empregos e arrecadaram aos cofres públicos mais de R$ 600 bilhões. Hoje estão sob a proteção do Simples Nacional mais de 11 milhões de empresários, incluindo os microempreendedores individuais (MEIs).
Como se vê, trata-se de um setor de vital importância econômica, especialmente em momentos de crise, como o atual. Para comemorar os dez anos do sistema, o Diário do Comércio lançou a seguinte pergunta a alguns de seus maiores apoiadores: como seria o Brasil hoje sem esse regime tributário?
MENOS BUROCRACIA
Para a maioria dos empresários, pior do que pagar um imposto alto, é arcar com o elevado preço para estar em dia com as obrigações tributárias. E, no Brasil, o custo indireto decorrente da burocracia é considerável.
São tantas as obrigações acessórias atreladas ao recolhimento de tributos, que as empresas maiores formam departamentos específicos só para gerenciar a apuração e o pagamento de impostos, além do envio das inúmeras declarações e guias exigidas pelo fisco.
Se nos regimes tributários regulares (real e presumido), essa burocracia já é muito elevada, no universo dos pequenos negócios, enfrentá-la pode significar a morte súbita do negócio.
De acordo com um estudo do economista José Roberto Afonso, pesquisador do Ibre/FGV, com base em levantamentos da consultoria Deloitte, o custo da estrutura consultiva tributária numa empresa de pequeno porte não optante do regime simplificado é maior quando comparado ao de uma empresa de grande porte.
Numa pequena empresa, esse gasto representa 1,81% do faturamento, ante 0,08% em uma grande companhia.
Não sem razão, há casos de empresários que aderem ao Simples mesmo que a carga tributária seja mais custosa na comparação com outros regimes tributários.
O Simples Nacional, além de possibilitar para a maioria de seus optantes uma tributação menor em relação a outros regimes, como o Lucro Real e Presumido, permite o recolhimento de seis impostos federais, um estadual e um municipal em uma única alíquota e guia.
Essas vantagens explicam as razões de o Simples ser considerado uma verdadeira reforma tributária no universo dos pequenos negócios. Outra pesquisa, do Sebrae, realizada com quase seis mil empresários que recolhem seus impostos por meio do sistema também comprova a importância da simplicidade no cumprimento das obrigações acessórias.
No levantamento, 88% dos entrevistados citaram a maior clareza para o cumprimento das obrigações acessórias como a principal vantagem do regime tributário. Para 90%, a redução da carga tributária tem peso importante na decisão de ingressar no Simples.
“A grande vantagem do Simples Nacional é a reunião de vários tributos, de todas as esferas, em uma única guia de recolhimento, com cobrança unificada. É uma grande desburocratização”, afirma Shimomoto, presidente do Sescon-SP.
Segundo afirma, a redução da carga tributária é expressiva também para a maioria das organizações. Porém, ressalta, é sempre recomendável realizar análises e prospecções para optar pelo regime mais adequado. Como regra geral, o sistema costuma ser muito vantajoso para as empresas com folha de pagamento expressiva.
Outra vantagem destacada por Shimomoto é a facilidade de saber exatamente o valor do imposto a ser pago e se a empresa está ou não em dia com o fisco.
EMPRESA DOBRA NÚMERO DE FUNCIONÁRIOS
A possibilidade de pagar imposto pelo regime do Simples foi fundamental para o crescimento da WSoft, especializada no desenvolvimento de software de automação de gestão para o varejo.
Fundada em 1991 pelo engenheiro eletrônico Wedenes Barbosa, a WSoft passou a fazer parte do Simples em 2007, ano em que esse regime tributário incluiu companhias do setor de serviços.
“Com o Simples, a empresa cresceu 30% e o número de funcionários dobrou. A grande vantagem é que o regime permite a desoneração da folha de pagamento”, afirma.
A habilidade de Barbosa para desenvolver softwares veio da experiência adquirida em uma fabricante de marca-passos. Ele mesmo criou um programa que permitia à empresa localizar os aparelhos locados para hospitais e implantados em pacientes. Com a crise de 1992, a empresa faliu.
“Surgiu a oportunidade de criar os softwares para outras empresas”, diz. A WSoft tem hoje mais de 2 mil clientes que pagam uma taxa mensal para uso de seus softwares.
A carga tributária da empresa representa 17,61% do faturamento. Se não estivesse enquadrada no Simples, de acordo com Barbosa, esse percentual chegaria facilmente a 25%.
“O Simples é importante porque simplifica o processo de tributação, que é extremamente complexo e oneroso no país. Mas tem um detalhe, mesmo sendo um regime tributário que possibilitou o crescimento do Brasil, ele penaliza na questão do ICMS”, diz.
SIMPLES MANTÉM ARRECADAÇÃO
Uma Lei viva. É assim que os principais atores e defensores do sistema definem a legislação que criou o Simples Nacional. Desde a sua criação, a legislação já foi revisada sete vezes. Foram alterações pontuais e necessárias para melhorar ainda mais o ambiente de negócios para as micro e pequenas empresas e MEIs. A cada revisão, é um embate novo com a Receita Federal, principalmente.
Nunca foi fácil convencer a Receita, os secretários de Fazenda estaduais e até prefeitos de que esse regime tributário não reduz a arrecadação para os cofres públicos. Ao contrário, a simplificação e uma tributação mais justa contribuem para o aumento das receitas em todas as esferas (União, estados e municípios).
E isso ficou claro na passagem de 2007 (ano em que o Simples Nacional entrou em vigor) para 2008. Os três entes mais do que dobraram a arrecadação.
As receitas dos municípios, por exemplo, passaram de R$ 965 mil, em 2007, para R$ 7,22 milhões – uma expansão de 189%. Nos Estados, a arrecadação com o Simples cresceu 162% e na União, 179%.
Mesmo em tempos de crise, os números mostram que a queda de arrecadação no setor formado por micro e pequenas empresas está aquém da registrada nas receitas federais.
De acordo com o estudo do Sebrae, na variação acumulada de janeiro a março de 2016 em comparação com o mesmo período de 2017, houve uma queda de apenas 0,67% das receitas provenientes das empresas optantes do Simples. Já as receitas administradas pela Receita Federal recuaram 2,38%. Na contramão, no mesmo período analisado, os municípios apresentaram uma expansão de 2,68% na arrecadação procedente do sistema tributário.
A informalidade sempre foi uma característica do mercado de trabalho brasileiro, e pode ter certeza que ela não se resume ao estereótipo do vendedor ambulante dos grandes centros urbanos. Pedreiros, mecânicos, cabeleireiros, entre tantos outros profissionais autônomos, desempenham suas funções à margem do Estado.
Preferem trabalhar nas sombras a enfrentarem a burocracia e a carga tributária descabidas do país. Hoje há cerca de 10 milhões de trabalhadores informais no mercado, movimentando o equivalente a 16,3% do Produto Interno Bruto (PIB) segundo o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV).
O percentual já foi maior. No início dos anos 2000, a participação da informalidade na economia brasileira superava os 20% do PIB. As tentativas de trazer essa massa de trabalhadores para o mercado formal costumavam ter um viés punitivo, tratando o informal como criminoso. Os resultados não eram os melhores.
Essa abordagem mudou drasticamente a partir de 2009, com a inclusão da figura jurídica do Microempreendedor Individual (MEI) no Simples Nacional. Se os impostos e a burocracia eram os principais entraves para empreender, por que não eliminar esses obstáculos? Dessa forma objetiva, o MEI se tornou a principal porta de entrada para o mercado formal.
Ele dispensa o empresário do pagamento dos tributos federais – como o Imposto de Renda, Pis/Cofins, IPI e CSLL – e estabelece cobranças simbólicas para o ISS (R$ 5) e o ICMS (R$ 1). O MEI paga, no máximo, R$ 52,85 mensalmente por meio de um boleto que pode ser debitado pela Internet.
Desde que foi criado, o número de Microempreendedores Individuais cresceu vertiginosamente. Hoje são cerca de 7 milhões em atividade, que representam 58% dos CNPJs abertos no Brasil, superando o montante de micro e pequenas empresas juntas.
Esse resultado expressivo foi reconhecido pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), que destacou o MEI como exemplo na proteção aos direitos sociais e ao emprego.
A CARA DO MEI
O barbeiro Danilo Pereira Santos, 28 anos, foi um dentre os milhões de brasileiros que viram no MEI a oportunidade de crescer como empresário. Ele trabalhou por dez anos informalmente, até se tornar um Microempreendedor Individual em 2013.
“Trabalhar formalmente permitiu negociar diretamente com os fornecedores, instalar maquininha de cartão, ter acesso a empréstimos com valores maiores, o que ajudou a fazer a empresa crescer”, diz Danilo, hoje sócio-proprietário da barbearia Canto da Arte.
E sua empresa deslanchou mais rapidamente do que imaginava. Já no ano seguinte, em 2014, seu faturamento estourou o limite de R$ 60 mil anuais do MEI e ele se tornaria um microempresário do Simples. Contratou funcionários – hoje são quatro na equipe – comprou equipamentos e reformou a barbearia. “O que quero agora é continuar expandindo, para levar a Canto da Arte a outras regiões de São Paulo”, diz.
Assim como Danilo, 22% dos 7 milhões de MEIs eram empreendedores informais antes. Desse universo, 48% exerceram suas atividades informalmente por mais de 10 anos segundo levantamento feito pelo Sebrae em 2015.
O estudo mostra que, antes de se tornarem MEIs, 45% dos que hoje são empreendedores eram empregados formais, 16% eram empregados informais, 8% donos de casa, 3% servidores públicos, 3% estudantes, 2% empreendedores formais, 1% desempregados e 1% aposentados.
Se suas origens, antes de entrarem na formalidade, são as mais diversas, como evidenciam os números acima, o ponto de confluência está na vontade de crescer. Pelo levantamento do Sebrae, 77% dos microempreendedores individuais pretendem virar microempresários no futuro.
SAÍDA PARA CRISE
A estimativa é que nos últimos dois anos tenha crescido a participação de desempregados na composição do MEI. Com a crise econômica, que já deixa quase 14 milhões de pessoas fora do mercado de trabalho, empreender passa a ser uma alternativa para a sobrevivência.
Dados da Receita Federal mostram que o número de MEIs cresce a um ritmo constante de 19% ao ano desde 2012. Sem essa alternativa, é evidente que a informalidade absorveria o exército de desempregados.
Depois de ser demitido de um escritório de advocacia, bem em meio à atual crise, André Augusto Lima Vieira, 30 anos, decidiu formatar o seu próprio negócio. Começou trabalhando em casa, atendendo pequenos clientes.
Após um ano, o volume de trabalho já não condizia com a informalidade e o advogado viu a necessidade de emitir notas para alçar voos ainda mais altos. Virou MEI.
“Com a abertura da empresa, a carteira de clientes começou a aumentar e em 2016 estourei o limite do MEI. Há cerca de um mês atuo como microempresário. Agora quero fechar contratos maiores e conquistar clientes em outros Estados”, diz André.
Além do baixo custo, atuar como microempreendedor individual permite acesso aos benefícios previdenciários, um estímulo a mais àqueles que acabaram de perder o emprego.
Por outro lado, muitos dos que passam a empreender por necessidade nunca se prepararam para se tornar empresários. Por menor que seja a empresa, sem noção de gestão, a chance de algo sair do controle é grande, e é justamente o que se tem notado ultimamente. A inadimplência entre os MEIs é crescente e hoje atinge 60% deles.
Com dívidas pendentes, a disposição dos bancos em conceder empréstimos a esses empreendedores é menor.
Melhorar a capacitação dos empreendedores e facilitar o acesso ao crédito são dois pontos críticos a serem melhorados para permitir que o MEI continue a resgatar os empresários do subterrâneo da economia.
Nos próximos cinco anos, o número de Microempreendedores Individuais (MEIs) deverá superar 12 milhões, número equivalente a três vezes a população do Uruguai. A projeção foi feita por Guilherme Afif Domingos, presidente do Sebrae.
“Estamos revelando um país dentro do Brasil no empreendedorismo”, resume Afif. Na sua opinião, a inserção dessa modalidade jurídica na legislação do Simples Nacional, em 2008, colocou o Brasil na vanguarda na concepção de programas de inclusão econômica e social.
Foi dele a ideia, ainda 2003, quando estava à frente da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), de criar um ambiente menos burocrático e hostil do ponto de vista da carga tributária para que milhares de trabalhadores por conta própria obtivessem um CNPJ e acesso à Previdência Social.
O MEI saiu do papel na atualização da Lei Geral promovida em 2008, mas as formalizações começaram em 2009. De 2010 para cá, são cerca de mil inscritos por ano, em média.
Na opinião do presidente do Sebrae, parte do êxito dessa política pública pode ser atribuída à crise pela qual o País ainda atravessa e que tem levado muitas pessoas a trabalharem por conta própria.
“O MEI é uma das várias formas de trabalho que garante ao cidadão o mínimo necessário em termos de benefício social, como o acesso à Previdência, ao auxílio doença e auxílio maternidade”, analisa.
2006
Edição da Lei Geral da Micro e Pequena Empresa (Lei Complementar 123), que prevê a diminuição da burocracia e da carga tributária para as micro e pequenas empresas. A lei permitiu a criação do Simples Nacional, regime que entraria em vigor em 2007.
2007
Foi garantido tratamento diferenciado aos pequenos em contratações públicas. O regime simplificado se abriu para alguns segmentos do setor de serviços, como fisioterapia, corretagem de seguros, agências de publicidade, assessoria de imprensa entre outros.
2008
Criação do microempreendedor individual (MEI) , que entraria em vigor no ano seguinte. Instituída a figura do Agente de Desenvolvimento, responsável por auxiliar o processo de regulamentação da Lei Geral da Micro e Pequena Empresa nos municípios.
2009
O Simples Nacional se abre para o setor da cultura, permitindo que as atividades de produções cinematográficas, audiovisuais, artísticas e culturais fizessem a opção pelo regime.
2011
O limite de faturamento anual para enquadramento no regime simplificado foi ampliado para R$ 3,6 milhões. Foi permitido que exportadores auferissem receitas no mercado externo até R$ 3,6 mil, sem perderem o enquadramento. A Eireli (Empresa Individual de Responsabilidade Limitada) é criada.
2014
Foi universalizado o acesso ao Simples Nacional, salvo exceções vedadas por lei. As micro e pequenas foram blindadas com a previsão de que novas obrigações criadas por leis ou normas tenham de respeitar o tratamento diferenciado garantido a elas.
2016
Aprovada a lei Complementar 155, que reestruturou as tabelas do regime simplificado e elevou o teto de faturamento para enquadramento a R$ 4,8 milhões, medidas que passarão a valer em 2018. Autorização para o MEI usar a residência como sede.
2017
Ampliação do parcelamento para as empresas do Simples, de 60 para 120 meses, e criação do investidor-anjo para micro e pequenas, ambas medidas previstas pela Lei Complementar 155 que já estão em vigor.
Parte do sucesso do Simples Nacional se explica pela sua constante evolução ao longo dos últimos dez anos. O regime se abriu para novas categorias, recebeu programas exclusivos de parcelamento de débitos, alcançou o comércio exterior. A maior mudança, porém, ainda está por vir.
Ao final de 2016, o governo federal aprovou a Lei Complementar 155, que reestruturou a forma como as micro e pequenas empresas irão transitar dentro do regime simplificado. A promessa é que, a partir de 2018, elas possam aumentar o faturamento sem que sejam surpreendidas por uma elevação brusca da carga tributária.
Para tanto, foi criado um fator redutor – valor a ser descontado sempre que a empresa fica sujeita a uma alíquota tributária maior por escalar as faixas de faturamento previstas nas tabelas do Simples.
Em 2018 também passam a valer os novos limites de faturamento para enquadramento no regime. O teto, hoje fixado em R$ 3,6 milhões ao ano, passará a ser de R$ 4,8 milhões.
As empresas enquadradas nesse novo limite, porém, terão de recolher o ICMS e o ISS pelo regime normal dos estados e municípios, e não pela guia única do Simples Nacional. Essa foi uma contrapartida exigida pela Receita Federal pelo aumento do teto.
Aliás, sempre houve pressão do fisco contra as ampliações do Simples, como lembra o deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), relator do projeto que em 2006 criou o regime simplificado. “Impediram as empresas do Simples de gerar créditos para quem compra seus produtos, também as deixaram reféns da substituição tributária, prejudicando seus caixas”, afirma.
Ou então, mais recentemente, quando a Receita jogou um balde de água fria nas pretensões dos investidores-anjo de micro e pequenas empresas, ao pesar a mão na tributação sobre eles, com taxas de 15% a 22,5% sobre o resultado de seus investimentos.
Ainda assim, Hauly considera vitorioso o regime que, segundo ele, “revolucionou o campo empresarial e levou benefícios para toda a economia”. Hoje, o Simples Nacional abriga mais de 90% das empresas em atividade no país e emprega 60% da mão-de-obra.
O regime é considerado bom do ponto de vista tributário, mas pode evoluir mais em outras áreas.
A obtenção de empréstimos ainda é um desafio para as micro e pequenas empresas. Um estudo do Sebrae, feito com 3.020 empresários do Simples, mostrou que 20% deles já tiveram o pedido de empréstimo negado por bancos.
O futuro de Simples mira um sistema próprio de financiamento. O caminho, já em discussão avançada, seria a Empresa Simples de Crédito (ESC), prevista no Projeto de Lei Complementar (PLP) 341, de 2017, em tramitação na Câmara.
A proposta é que a ESC ocupe a lacuna deixada pelos grandes bancos, emprestando recursos para as empresas de menor porte. Ela atuaria com capital próprio. Não seria permitido, por exemplo, que a ESC captasse recurso junto a bancos para depois emprestar a terceiros.
Já no campo jurídico, seria preciso garantir que mudanças nas legislações infraconstitucionais respeitassem o tratamento diferenciado que a Constituição garante aos micro e pequenos empresários.
Wilson Gimenez, vice-presidente administrativo da Associação das Empresas de Serviços Contábeis de São Paulo (Aescon-SP), lembra da polêmica do Difal (diferencial de alíquota) , que no ano passado mudou a sistemática de recolhimento do ICMS em operações interestaduais com o consumidor final, o que, na prática, aumentou a tributação sobre as empresas do Simples.
Uma liminar desobrigou as micro e pequenas de cumprirem essa nova regra. “Mas que garantias essas empresas têm de que a liminar não será derrubada? É preciso uma decisão definitiva sobre a questão, para dar segurança jurídica aos interessados pelo Simples”, diz.
O vice-presidente da Aescon-SP vê ainda a necessidade de o Simples Nacional ser tratado, oficialmente, como um regime tributário, assim como são o Lucro Real e o Lucro Presumido.
“O Simples não tem esse status, ele é considerado pela Receita Federal como uma renúncia fiscal. Por isso o fisco nunca criou um Refis de verdade para as micro e pequenas empresas”, diz Gimenez.
COMO FICA O SIMPLES NA REFORMA TRIBUTÁRIA?
O deputado Hauly relatou o projeto que criou o Simples Nacional e agora é autor da proposta de reforma tributária que acabaria com o regime simplificado como o conhecemos – o que não significa que seria o seu fim, mas exigiria que fosse reestruturado.
A reforma tributária prevê a extinção do ICMS, IPI, Cofins, ISS e o Salário Educação.
No lugar desses tributos, seria criado um Imposto sobre Valor Agregado (IVA), de competência estadual, e um seletivo (ISE), destinado à União. O imposto sobre a renda e a CSLL seriam unidos em um único tributo, em um IRPJ, de caráter progressivo.
O que traduz o Simples Nacional é justamente o fato de o regime facilitar a vida do empresário ao unir em uma só guia os tributos federais, o estadual e o municipal, reduzindo as obrigações acessórias e permitindo predefinir a alíquota tributária a qual a empresa estará sujeita.
De certa forma, a proposta de reforma tributária já faz isso para todo o sistema com o IVA. Segundo Hauly, existe um alinhamento entre o regime simplificado e a reforma. “Na realidade, as mudanças no sistema tributário que proponho foram inspiradas no Simples Nacional”, diz o deputado.
De fato, os atores de ambas as propostas são os mesmos. O Sebrae e a Fundação Getúlio Vargas é que estão munindo o parlamentar com estudos que dão base à reforma, assim como fizeram a cada modificação do regime simplificado.
Por enquanto, há apenas ideias de como ficaria o Simples Nacional em meio a uma reforma tributária tão ampla. Segundo o deputado, está em estudo dar para a empresa do Simples uma dedução na última etapa da cadeia, o consumo.
“Como o IVA seria cobrado no destino, na última etapa, lá na venda, teria de ser definida uma margem de valor agregado para calcular o desconto dado ao Simples. Não seriam mais necessárias as faixas de tributação”, diz Hauly.
O regime simplificado precisaria ser refeito, com suas alíquotas recalibradas. Mesmo sendo descaracterizado, caso a reforma em questão venha a ser aprovada, o Simples Nacional terá deixado seu maior legado, a simplificação de todo o sistema tributário.
O Simples resultou de um trabalho desenvolvido por um grande número de entidades, com destaque para a ACSP e a FACESP, na luta para o tratamento diferenciado das empresas de menor porte.
Embora a ACSP já se dedicasse à defesa das micro e pequenas empresas há muitos anos, pode-se considerar que o esforço sistemático das entidades a favor dos empreendimentos de menor porte teve seu início em 1979, com o Primeiro Congresso Brasileiro da Micro e Pequena Empresa, organizado pela ACSP com diversas entidades empresariais.
Esse evento, que lotou o grande auditório do Anhembi em sua abertura, foi coordenado pelo então vice-presidente da ACSP, Guilherme Afif Domingos, que a partir daí, em todos os postos que ocupou, foi um batalhador incansável da causa das micro e pequenas empresas, e a quem se deve muito dos progressos obtidos desde então.
Após a realização em São Paulo do segundo e terceiro Congresso, foi no IV Congresso das MPEs, realizado em 1984, no auditório do Senado Federal, que o Congresso Nacional aprovou o Estatuto da Microempresa, que representou um passo importante para a evolução de uma política em favor dos empreendimentos de menor porte.
Seguiu-se a inclusão, na Constituição de 1988, do artigo 179, que prevê que a União, Estados e municípios “dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio da lei”.
Com base nesse artigo da Constituição, a Lei 9.317/96 criou o SIMPLES – Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições – que estabeleceu a redução da tributação e a simplificação burocrática para as empresas de micro e pequeno portes apenas na área federal, e não incluía a esfera trabalhista, além de estados e municípios.
Mesmo assim, propiciou a formalização de milhares de empreendimentos e estimulou a criação de novos negócios.
O maior problema passou a ser a defasagem dos valores de enquadramento, pela não correção dos mesmos em função da inflação, o que não apenas dificultava o crescimento das empresas, como desestimulava o surgimento de novas empresas.
Com a aprovação da PEC 42/2003, ampliando o alcance constitucional do tratamento diferenciado, a Lei Geral (PC123/2006) promoveu a unificação da tributação simplificada da União, estados e municípios para os empreendimentos de menor porte criando o que passou a ser chamado de Supersimples. A LC 147/2014 ampliou não apenas o número de setores beneficiados, como estabeleceu condições para simplificar a vida, a abertura, e até o fechamento das micro e pequenas empresas.
Além disso, subordinou a criação de novas obrigações tributárias e acessórias à aprovação do Comitê Gestor do Simples Nacional e propôs incentivos e facilidades para a exportação de bens e serviços. Estabelece a fiscalização orientadora para as MPEs, com o critério da “dupla visita”, entre outras medidas.
Merece destaque o estabelecimento da fiscalização orientadora para as MPEs, com o critério da “dupla visita” e também a limitação para a substituição tributária, que será aplicável a apenas 49 produtos o que representa um importante avanço, pois esse sistema neutralizava muitos dos benefícios do Simples, uma vez que as empresas não podiam se creditar dos impostos pagos nas fases anteriores.
Cabe mencionar que a criação do MEI (Microempreendedor Individual) se insere nesse mesmo esforço de estimular o empreendedorismo como caminho para o fortalecimento e crescimento da economia, com importante reflexo no campo social.
A aprovação da nova Lei Geral, no entanto, não encerra a luta de todos os que se empenharam até agora pela sua aprovação. Isso porque existem pontos que precisam ser modificados no texto atual e outros que precisam ser acrescidos.
O principal ponto a ser equacionado é o estabelecimento de um mecanismo gradativo de saída das empresas, na medida em que atinjam o limite, para evitar que elas saiam do Simples para o “complexo”, antes de adquirirem a “musculatura” necessária para enfrentar o manicômio fiscal e burocrático, sem precisar buscar caminhos alternativos, com o desmembramento que sempre implica em perda de eficiência.
Talvez o estabelecimento de degraus para o aumento da tributação e das exigências burocráticas fosse uma alternativa, ou a de se dar um prazo para as empresas que ultrapassarem o limite continuarem no Simples, dando tempo para que elas se capitalizem e criem condições para cumprirrem todas as exigências da legislação comum.
Independentemente de novos aprimoramentos que possam ser feitos no Supersimples, não se pode ignorar a necessidade de continuar trabalhando para a redução da burocracia e a racionalização da tributação, pois o “manicômio burocrático e tributário” atual vem inviabilizando a expansão e, muitas vezes, a sobrevivência das empresas médias, levando a uma concentração indesejável em muitos setores.
A FACESP e a ACSP, juntamente com muitas entidades empresariais, colaboraram intensamente para que o “tratamento diferenciado” para as empresas de menor porte fosse estabelecido, e para o aprimoramento constante da legislação, e irão continuar a trabalhar nesse sentido por considerarem que as micro e pequenas empresas representam não apenas a base da estrutura empresarial, como desempenham importante função social ao serem grandes geradoras de empregos, atenderem setores e comunidades que não interessam às empresas maiores. Além disso, seus empresários representam parte importante da classe média, fator essencial para o equilíbrio político do país.
O Diário do Comércio foi, ao longo dos anos, instrumento importante na divulgação dessa bandeira e continuará a participar do esforço para o desenvolvimento econômico e social do Brasil.
Desde a sua implementação, o Simples Nacional garantiu às micro e pequenas empresas vantagens tributárias interessantes e que notoriamente ajudaram a melhorar a competitividade dos seus negócios.
Contudo, esse regime tributário traz algumas armadilhas aos empresários que não observam as diversas hipóteses de exclusões previstas na legislação.
Fonte: Diário do Comércio