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Como criar, manter e desfazer uma sociedade

Em relação à sociedade nos negócios aplica-se, com muita propriedade, o que o poeta Vinícius de Moraes falava em relação ao amor. É bom enquanto dure. E também nela (a sociedade) é fundamental conhecer um pouco da arte de criar, como mante-la, mas, principalmente, como terminá-la quando se esgote.

Em meu livro “Manual de sobrevivência para sócios e herdeiros”, que contém importantes e significativos depoimentos de empresários brasileiros, falo sobre o que a prática tem mostrado ser uma das grandes dificuldades nas sociedades. Entender que uma boa maneira de preservá-la é ter claros os mecanismos e disposição para dissolve-la. Ou seja, um dos segredos para continuar juntos é saber que é possível sair da relação sem necessidade de litígios ou disputas.

É evidente também que torna-se útil ter consciência sobre que tipo de sociedade as partes constituíram. Muitos problemas ocorrem porque não existe clareza entre os componentes sobre as razões que os levaram a juntar-se. E mais ainda quando estes motivos ao longo do tempo desapareceram, ou foram alterados. Este é o tema deste artigo que tem a finalidade de servir de reflexão e análise, tanto para aqueles que estão pensando, ou constituindo uma sociedade. Mas também para os que se encontram em meio a uma crise na sua sociedade.

Transições

O que leva duas ou mais pessoas à unirem-se em uma sociedade no mundo dos negócios? A resposta à esta pergunta tem muitas alternativas. Alguns se juntam em função de uma forte amizade. Outros, pela identificação de interesses e princípios. Um casal considera que a sociedade pode ser uma extensão do seu relacionamento conjugal. Herdeiros terminam mantendo um vínculo societário na medida que recebem um patrimônio ou negócio vinculado pelos direitos e obrigações da herança. Desempregados consideram as vezes que o espírito de solidariedade os uniu no problema, e a sociedade pode ser a solução. Alguns buscam parceiro pela falta de coragem ou temor de iniciar algo sozinhos. Irmãos entendem que entre buscar um estranho, porque não iniciar alguma atividade com alguém do seu conhecimento e confiança. Outros ainda consideram que juntos poderão ganhar muito mais, e mostram-se dispostos a dividir um “bolo possível”.

Enfim, as razões que levam as pessoas a juntar-se podem emergir de formas as mais distintas possíveis. E embora não esteja aí a razão de muitos fracassos nas sociedades, é bom ter clareza neles para facilitar a administração das primeiras dificuldades.

Costumo comparar a sociedade com algumas das etapas de um casamento. E a primeira fase é tipicamente de um namoro. Tudo são virtudes e não se falam nem observam defeitos. Muito menos se realiza alguma reflexão do tipo: Quais são nossos objetivos de vida? Quais são nossas crenças e valores? O que esperamos de uma sociedade?

Segue-se o noivado, que procura estabelecer algumas formalizações tais como a documentação, local, divisão dos papéis, aportes, investimentos, etc. Alguns passam diretamente do namoro para o casamento. E à partir desta hora é que começam algumas descobertas. Passado o período de lua de mel vem a fase em que se exigem concessões mútuas. E a descoberta dos pequenos, mas também dos grandes, defeitos ou pequenas virtudes. Ou seja, as diferenças emergem. E dependendo da fase da sociedade ela pode estar mais, ou menos, vulnerável às observações e comentários de maridos, esposas, amigos ou subordinados. Aliás, dentro da estrutura ocorrem também as comparações feitas pelos auxiliares. E em muitos casos elas terão um peso bastante significativo. Tanto para ficar juntos ou como estopim dos primeiros conflitos.

Carga de trabalho, divisão das tarefas, retiradas, dedicação, grau de risco que cada um está disposto a correr são alguns assuntos que merecem atenção. Por esta razão é fundamental que, ao constituir uma sociedade, as partes dediquem um bom investimento de tempo em dialogar sobre seus interesses, valores e princípios de vida. A idéia da complementaridade – habilidades diferentes e complementares – que é muito utilizada como forma de criar, e manter, uma sociedade, aplica-se apenas no campo do trabalho. E mesmo assim não é uma solução permanente para todas as mudanças pelas quais a mesma vai passar. Mas em relação aos princípios, não existe complementaridade. O que deve existir é uma clara coesão de ideologias. Não vai funcionar uma sociedade onde um é ambicioso e outro moderado nos seus desejos. Nem muito menos uma em que o papel de ganancioso é representado por uma das partes. Ou seja, em questões de valores deve haver uma clara e bastante debatida afinidade. As sociedades entre “espertos” e honestos não dura muito tempo. Ela se auto-dissolve, ou implode, causando infelicidade à todas as partes.

É claro também que existem grandes diferenças, com graus de riscos alternados, entre os diferentes tipos de sociedade. Um casal que misture sua relação conjugal com negócios tem poucas chances de sucesso. Mas é bom lembrar que esta divisão muitas vezes é meramente artificial. Uma sociedade onde um entra com o capital e o outro com o trabalho também tem vida curta. Salvo que sua configuração seja alterada.

Enfim, é fundamental o diálogo permanente como forma de renovar o modelo da sociedade. O que quero dizer com esta afirmativa resume-se nas seguintes recomendações:

Tenha clareza da diferença que existe entre os interesses do coletivo (a sociedade) e aspirações e vontades individuais. Elas devem estar compatibilizadas. Nenhuma sociedade sobrevive sem a realização da felicidade pessoal das suas partes.

Tenha uma atenção constante sobre os conflitos que possam surgir. Muitas vezes o modelo que foi válido na criação da sociedade esgotou-se ao longo do tempo. E torna-se útil repensar o modelo como forma de preservar a relação. Não devemos esquecer que assim como as pessoas são dinâmicas nos seus interesses e momentos de vida, também uma sociedade sofre mudanças. É importante estar atento à elas.

Fixe, com toda clareza possível, as formas de sair ou extinguir uma sociedade, sem a necessidade de um processo litigioso. Não esqueça que uma das melhores e mais saudáveis formas de ficar juntos é ter clara a forma de separar-se. Pode parecer um contra-senso, mas é a mais pura realidade. Toda cisão ou separação tem dor. Mas ela não precisa ser traumática. Ao longo da vida os interesses se alteram e não existe nenhuma razão que dois ex-ótimos sócios devam tornar-se inimigos.

Enfim, não existe nenhuma receita mágica para ficar juntos. O que vai ajudar sempre é tão singelo como manter o diálogo e a transparência. E na sociedade ela exige manter duas perspectivas. A coletiva (sociedade) e aquela decorrente das individualidades. Isto pode ajudar a preservá-la enquanto viabilize a felicidade das partes. Ou seja, enquanto dure.

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