O Ministério da Fazenda deve ceder à pressão e manter os bancos fora dos processos de recuperação judicial e falências. Essa possibilidade contraria a sugestão de juristas que foram nomeados pelo próprio governo para elaborar o projeto de reforma da norma que regula esses procedimentos (Lei nº 11.101, de 2005).
No texto redigido pelos juristas consta a inclusão – tanto nas recuperações como nas falências – das garantias de natureza fiduciária (caso em que o credor, geralmente instituição financeira, detém bens do devedor até o pagamento total da dívida). Hoje tais garantias não são submetidas a nenhum dos dois processos.
A contrapartida para a mudança seria um tratamento prioritário aos credores. Pela proposta, por exemplo, para não falir, o devedor teria de oferecer situação realmente vantajosa aos detentores das garantias. Já no caso de a companhia ter a falência decretada, esses credores teriam prioridade no recebimento. Eles seriam considerados extraconcursais e estariam à frente de todos os demais.
As reuniões do grupo técnico se encerraram na última semana. O Ministério da Fazenda que dará a palavra final sobre o texto, porém, ainda está ouvindo pessoas interessadas no tema. E, segundo fontes ligadas ao governo, o Banco Central e a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) estariam irredutíveis e já teriam se manifestado oficialmente contra a proposta.
Há grandes chances, de acordo com profissionais envolvidos nesse processo, que a versão final do projeto – prevista para ser apresentada no fim do mês – exclua os bancos da reforma. “Essa é uma briga que o governo não deve comprar”, diz uma fonte. “Os bancos ameaçam que o crédito ficará mais caro e o governo não quer correr esse risco”, completa.
O argumento mais usado pelas instituições financeiras para explicar a rejeição à mudança é que falta segurança jurídica para acreditar que, aceitando a proposta de inclusão nos processos, elas de fato recebam a contrapartida prometida. “Hoje a maioria das decisões judiciais não respeita o que está na lei. Então o que já está funcionando de forma ruim poderia ficar ainda pior”, afirma um especialista que atua para bancos.
Esse especialista cita, por exemplo, que a lei atual de recuperação judicial e falências (Lei nº 11.101, de 2005) estabelece que somente os bens essenciais ao funcionamento da empresa devedora não poderiam ser executados e dá prazo de 180 dias para essa blindagem.
Na prática, no entanto, afirma, o que se vê são suspensões por prazos indeterminados e envolvendo bens não essenciais (principalmente imóveis). “Infelizmente a insegurança jurídica está impactando e empatando completamente a reforma da lei”, acrescenta.
Mudanças relacionadas às garantias de natureza fiduciária eram as mais esperadas do projeto de reforma da lei. Especialmente porque traria alívio para as empresas em crise. Esses créditos representam, na maioria das vezes, mais da metade das dívidas das companhias e, pela regra atual, não se sujeitam aos planos de recuperação (que preveem descontos, prazos de carência e parcelamento).
Para advogados que trabalham para as devedoras, a retirada da alienação fiduciária do texto final provocaria um esvaziamento na reforma. “É um dos pilares. Porque hoje o principal problema é ter mais crédito fora do processo do que dentro. Então, sem essa mudança, a nova legislação não teria eficácia”, pondera um especialista.
O advogado Guilherme Marcondes Machado, do Marcondes Machado Advogados, entende que “ninguém ganha com o modelo praticado hoje”. Ele lembra que os bancos ficaram fora dos processos, na edição da lei de 2005, com o argumento de que, tendo mais segurança no recebimento das garantias, poderiam baixar a taxa de juros.
Na prática, porém, o que se viu não foi nem a redução dos juros nem a eficácia do resgate das garantias. “A bandeira levantada pelos bancos também não foi vista na prática ao longo desses anos de vigência da lei. Acredito que se tivesse a contrapartida da redução dos juros, com acesso mais fácil à linha de crédito, muitos empresários aceitariam manter a alienação fiduciária fora dos processos. Mas ocorre que eles também não têm essa segurança”, pondera Marcondes Machado.
O texto que será apresentado até o fim do mês pelo Ministério da Fazenda deve se tornar um projeto de lei. Não há definição ainda se será apresentado como uma iniciativa do próprio governo ou de um senador ou deputado da base aliada.
Advogados que defendem a inclusão das garantias de natureza fiduciária no projeto acreditam que, mesmo o texto final do Ministério da Fazenda sendo contrário à mudança, ainda haverá chances de se reverter a situação no Congresso. “Na Câmara ou no Senado haverá uma nova seleção de juristas. E são essas pessoas que vão mexer de novo no projeto”, diz um especialista que acompanha os desdobramentos da reforma da lei.