Como acontece há décadas, a cada nova gestão política que se inicia no palácio do planalto, retornam-se as infindáveis e polêmicas discussões sobre a necessidade de uma reforma tributária. Apesar das iniciativas, que por diversas razões nunca reverteram na reforma esperada, o clamor permanece, pois urge tornar o Brasil menos burocrático e mais competitivo na área tributária.
A questão é: a que tipo de reforma nos referimos? Pois, sob o ponto de vista dos governos federal, estadual e municipal significa aumento de receita para cada um e, para os contribuintes, a diminuição da complexidade e da carga tributária, ou seja, a conta não bate e enquanto não se resolve a equação quem paga a conta é a sociedade.
Um dos principais alvos da almejada reforma tributária é e sempre foi o ICMS, transformado em vilão ao longo dos anos como fosse ele o responsável pelas as mazelas da economia, do excesso de tributos, da burocracia, da guerra fiscal e da ausência de recursos para fazer frente ao crescimento descontrolado das despesas públicas dos estados.
Reconhecemos que o ICMS com sua participação de quase de 6% no PIB, ao longo do tempo, apesar do seu potencial como fonte de investimento estatal na economia, resultou em um imposto complexo não menor que o desafio de manter o equilíbrio na distribuição da sua arrecadação, em face da autonomia constitucional dos entes federativos. Assim, não será com uma solução simples, de aglutinação do IPI, da Cofins, do PIS/Pasep, do ICMS e do ISS em um só tributo, moldado no modelo do IVA europeu, apropriado àquele ambiente estrangeiro, que se resolverá um problema tão complexo.
Confesso que tenho receio das soluções simplistas, daquelas de pôr abaixo tudo o que já existe e construir algo novo a partir do zero, apelo que lemos ultimamente com frequência vindo de fontes entendidas nesse assunto, cuja paciência para revisar e depurar as legislações tributárias dos 3 entes da federativos já se esgotou.
Por que não identificar em cada tributo existente as suas qualidades e quais são as causas da sua ineficiência e o que pode ser efetuado para melhorar o seu potencial de capacidade de colaboração om o aprimoramento do sistema de forma que beneficie governos, empresas e o consumidor?
Os tributos não são o grande problema do país, na verdade uma das grandes questões é a cultura estatal automatizada e desconfiada para gerar uma quantidade sem limites, desordenada, complexa e sem integração de obrigações fiscais impositivas que estrangulam e sufocam diariamente o setor empresarial do país.
O risco de uma reforma parcial, ou seja, que leve em consideração somente os tributos e sem a alteração da cultura de desconfiança do fisco e das empresas é o retorno, de forma gradativa e silenciosa, ao mesmo sistema já esgotado de caos tributário em que hoje nos encontramos, este mesmo que teria gerado essa reforma parcial.
Um exemplo dessa conjuntura conturbada e que pode ser observada de forma isolada com a utilização do próprio vilão da reforma, o ICMS, é a observação de uma de suas principais complexidades; o instituto da “substituição tributária”.
Hoje, é com angústia que o tema ICMS-Substituição Tributária- ICMS-ST, com suas terminologias, diversidades e cálculos complexos e intimidativos é visto e tratado, com razão e sem demérito, pela maioria dos empresários, contabilistas, escriturários fiscais, advogados, procuradores, promotores de justiça e, inclusive, parte dos funcionários fazendários vinculados à fiscalização tributos.
O tema por si só é tão polêmico que basta uma simples busca da sigla ICMS-ST no Google que de imediato aparecerão: “Aproximadamente 1.600.000 resultados (0,35 segundos) ”, isso sem contar as inúmeras demandas judiciais, artigos, teses acadêmicas, livros e cursos relacionados ao assunto.
Atualmente, aquele que se atreve a conhecer melhor esta modalidade de apuração de imposto é reconhecido e forte candidato a fazer diferença nas corporações privadas, seja por oferecer segurança na formação, estratégia e administração de preços nos diversos tipos de operações do dia-a-dia, seja na orientação do adequado tratamento das obrigações fiscais, acessória e principal, evitando com isso riscos de passivos fiscais que podem prejudicar a posição da empresa no mercado em que atua.
O ICMS-ST teve sua aplicação em larga escala a partir de fevereiro de 2008 e o objetivo sempre foi de concentrar todo o recolhimento do ICMS de uma determinada mercadoria em um só contribuinte, o chamado substituto tributário, normalmente, no primeiro da cadeia de comercialização, através de um mecanismo em que o preço final desta mercadoria e consequentemente a sua base de cálculo são pré-definidos pela legislação tributária.
Embora não existam estudos comparativos para confirmar a eficiência dessa forma de apuração ao longo do tempo, de fato, no início de sua implantação para cada setor e principalmente em razão da tributação sobre os estoques de mercadorias adquiridas de comerciantes de cada setor implantado, houve a ocorrência de um pico elevado na arrecadação.
O principal argumento do fisco para a adoção do ICMS-ST, não obstante sua complexidade de operar e fiscalizar, é o de facilitar o controle da arrecadação com a fiscalização de um universo reduzido de contribuintes, com certa regularidade e os mais expressivos, os fabricantes, considerados substitutos, em comparação com toda a cadeia de comercialização de um determinado segmento econômico onde se encontram os substituídos, normalmente, os atacadistas e varejistas.
Ressalte-se que boa parte dos contribuintes não compartilham da mesma opinião sobre a simplificação, muito pelo contrário.
Para os contribuintes, substitutos ou substituídos, é cada vez mais raro encontrar profissionais que dominam o ICMS-ST, já que a este escasso profissional não bastará conhecer as principais terminologias utilizadas como, por exemplo, “substituto tributário”, que é o contribuinte definido pela legislação como responsável por reter e recolher o ICMS-ST ou o contribuinte “substituído tributário”, como aquele que receberá a mercadoria com o imposto já retido pelo substituto tributário, mas também o domínio das diversas operações que possam ser objeto das 3 (três) modalidades de apuração do ICMS-ST, conforme consta no § 1º do artigo 6º da LC 87/96, sendo elas, a apuração das operações ou prestações antecedentes, concomitantes ou subsequentes.
Este profissional especializado deverá ter conhecimento sobre siglas, seus conteúdos, as operações, os tipo de mercadorias, a exemplo de Nomenclatura Comum do Mercosul-NCM, Margem de Valor Agregado ou Ajustado-MVA, Índice de Valor Adicionado – IVA, Diferencial de Alíquota-DIFAL, Diferencial de Alíquota e Antecipação- DeSTDA, Código Especificador da Substituição Tributária-CEST, Código de Situação Tributária do ICMS-CST, Fundo Estadual de Combate e Erradicação da Pobreza – FECOEP, Declaração do Valor de Aquisição da Energia Elétrica em Ambiente de Contratação Livre – DEVEC, Ressarcimento, GIA-ST, além do conhecimento sobre os protocolos e convênios firmados pelos Estados e o Distrito Federal relativo às operações interestaduais, inclusive com domínio da legislação sobre as operações internas de cada estado ou do distrito federal.
Conhecer a legislação é importante, mas interpretá-la e oferecer o encaminhamento legal, só é possível com a experiência, e citamos o caso de uma mercadoria sujeita ao ICMS-ST que vier a sofrer um sinistro, comum hoje em dia, como por exemplo, com medicamentos, cigarros e bebidas.
Na hipótese da ocorrência de um sinistro com o tombamento de um caminhão na rodovia transportando uma carga cerveja de um fabricante paulista de cerveja com destino a um cliente atacadista com perda total da carga, com ou sem seguro, a situação tributária fica interessante, pois o ICMS da operação própria destacado na NF-e deverá ser recolhido, haja vista que o fisco entende que ocorreu o fato gerador do imposto com a efetiva saída da mercadoria do seu estabelecimento, porém, o ICMS-ST não necessitará de recolhimento, haja vista a não ocorrência do fato gerador presumido.
Enfim, são situações e complexidades diversas, contudo se hoje o ICMS é o vilão do caos tributário, a culpa em si não é dele, mas dos legisladores que permitiram o avanço da sua complexidade além do limite do bom senso. É indiscutível que o ICMS possui muitas qualidades, porém ao longo do tempo a cultura da burocracia excessiva em razão da desconfiança entre o fisco e contribuintes colaboraram para transformá-lo neste quase indecifrável tributo.
Se iniciássemos uma reforma tributária revendo o que acertamos e erramos e ajustássemos o que já se encontra é provável um êxito maior; rever, por exemplo, a ausência de integração e padronização de procedimentos fiscais entre os estados, a redundância de diversas informações fornecidas, rever a ausência de publicidade antecipada da norma tributária e o treinamento dos contribuintes no mínimo um ano antes da entrada de vigência de cada alteração do imposto, eliminar a EFD-ICMS-IPI e Gias normais e ICMS-ST concentrando a escrituração na obrigatória ECD/Sped, buscar a necessária aderência às normas contábeis vigentes, seriam ações mínimas que simplesmente desonerariam os contribuintes de inúmeras obrigações fiscais.
Em síntese, o alerta sobre a notícia da reforma tributária é para o cuidado que devemos ter, pois não será com a morte do suposto vilão do ICMS que encontraremos a solução para a burocracia e a carga tributária no país. A solução pode estar muito próxima de nós; a criatividade e capacidade de aproveitarmos o que existe de qualidade do imposto e mudarmos sim, a cultura fiscal e empresarial do país, extremamente anacrônicas.
Ademais, lamentavelmente, os raciocinantes que insistem em fazer uma reforma tributária começando do “zero”, não comentam que haverá a necessidade da criação de uma nova obrigação do SPED a ser entregue concomitantemente as obrigações atuais, as quais não poderão ser extintas repentinamente por causa das suas legislações mais antigas e em vigor; é assustador perseverarmos no pensamento holístico sobre a reforma tributária, porém não há outras opções para se desatarem os nós de nossa malha tributária com seriedade, e sem arrebatamento.