Você sai de casa para trabalhar e, no caminho que costuma fazer todos os dias, sofre um acidente de trajeto. Uma batida de carro, um atropelamento ou uma queda na rua. Não importa, fato é que você fica impossibilitado de ir à empresa. O que fazer? Muitos trabalhadores entendem que esse período de deslocamento já é uma parte do dia dedicada às empresas e, por isso, elas devem ser responsabilizadas. Elas, por outro lado, não vêm assim. Então, fica a dúvida: esse tipo de acidente é um acidente de trabalho? E, afinal, quem deve pagar a conta?
Antes de entrar na polêmica, é preciso entender como a legislação caracteriza um acidente de trabalho. De acordo com o artigo 19 da Lei 8.123/1991, ele “ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa […] provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho”.
Existem dois casos típicos: doenças profissionais (desencadeadas pelo “exercício do trabalho peculiar a determinada atividade”) e do trabalho (adquirida pelas “condições especiais em que o trabalho é realizado”). Há, porém, uma série de outras situações que podem ser equiparadas a eles. Nesse caso, o destaque é para o artigo 21, que determina o seguinte:
Art. 21. Equiparam-se também ao acidente do trabalho, para efeitos desta Lei:
[…]
IV – o acidente sofrido pelo segurado ainda que fora do local e horário de trabalho:
[…]
d) no percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela, qualquer que seja o meio de locomoção, inclusive veículo de propriedade do segurado.
Ou seja, acidentes de percurso são considerados como acidentes de trabalho – desde que comprovado que este se deu no caminho entre a empresa e a casa, ou vice-versa.
Responsabilidade da empresa
Se algum empregado sofrer um acidente no caminho para a empresa ou para casa, é necessário emitir a Comunicação de Acidente do Trabalho (CAT) à Previdência Social. Isso garante que a pessoa possa utilizar seus benefícios, caso precise ser afastada durante o período de recuperação.
Isso quer dizer que a empresa tem responsabilidade no caso? Não necessariamente. Na maioria das situações, o acidente de trajeto só se equipara ao acidente de trabalho na questão previdenciária. Até mesmo porque, por lei, o tempo de deslocamento não é considerado na jornada de trabalho. Veja o que diz o artigo 58 da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) :
Art. 58. A duração normal do trabalho, para os empregados em qualquer atividade privada, não excederá de 8 (oito) horas diárias, desde que não seja fixado expressamente outro limite.
[…]
§ 2º O tempo despendido pelo empregado desde a sua residência até a efetiva ocupação do posto de trabalho e para o seu retorno, caminhando ou por qualquer meio de transporte, inclusive o fornecido pelo empregador, não será computado na jornada de trabalho, por não ser tempo à disposição do empregador.
Como o deslocamento não faz parte da jornada, não é responsabilidade da empresa a prevenção de acidentes. Isso é tão claro para os juristas que, mesmo antes da reforma trabalhista, o Conselho Nacional de Previdência Social (CNPS) já havia alterado a metodologia de cálculo do Fator Acidentário Previdenciário (FAP) para não considerar os acidentes de percurso.
Isso faz com que a emissão da CAT tenha apenas teor previdenciário, sem influência nos valores a serem pagos pela empresa a partir do FAP. A ausência da Comunicação, porém, poderá acarretar multas administrativas – fique atento a isso.
Exceção da regra
Quando o empregador fornece o meio de transporte para que o empregado chegue até o local de trabalho, o acidente passa a ser responsabilidade da empresa. Isso porque, ao se responsabilizar pelo translado, a organização equipara-se a um transportador – como todos os bônus e ônus que isso carrega.
Casos práticos
No artigo Acidente de trajeto: quando o empregador pode ou não ser responsabilizado?, o professor e advogado previdenciário Ian Ganciar Varella apresenta quatro casos que servem como jurisprudência sobre o assunto. Os resultados comprovam o que foi mostrado ao longo deste texto, com decisões favoráveis às empresas quando elas não são responsáveis pelo transporte.
No primeiro deles, ocorrido em 2014, o Tribunal de Justiça (TJ) negou as indenizações por danos morais e materiais de uma vendedora que tropeçou e caiu do salto alto ao sair do trabalho. Nesse caso, a juíza considerou que sequer poderia considerar como um acidente de percurso, pois não se sabia ao certo qual era o trajeto da solicitante.
O segundo caso envolve a colisão da moto de um auxiliar de classificação de ovos com um cavalo. O empregado solicitou indenização por danos materiais, morais e estético, porém todos foram negados pelo TJ. A 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) mineiro classificou o acidente como trabalhista, mas eximiu a empresa de qualquer culpa no caso – consistindo em uma mera fatalidade.
No terceiro, um mecânico de manutenção ficou tetraplégico após sofrer um acidente de moto até a empresa. O agravante desse caso é a situação de emergência criada: ele foi convocado durante seu dia de folga para resolver um problema e, nesse caminho, sofreu o acidente. Mais uma vez o TST entendeu que houve um acidente de trabalho, sem culpa da empresa.
O quarto e último caso se difere dos demais. Nele, uma colhedora de laranjas sofreu um acidente quando era transportada pela empresa até a plantação e o TRT julgou como precedentes os pedidos de indenização por danos materiais e morais. A desembargadora da 10ª Turma do TRT mineiro, Rosemary de Oliveira Pires, “observou que a condução dos empregados até o local de trabalho e seu retorno é meio para a atividade econômica da empresa, atendendo aos interesses do empregador, que depende da mão de obra para fazer funcionar seu empreendimento”.
O que fazer em caso de acidente de trajeto?
Em linhas gerais, podemos criar um procedimento padrão a ser seguido pelas empresas caso haja um acidente desse tipo:
1. Verifique se o trabalhador estava realmente no trajeto de casa para a empresa, ou vice-versa;
2. Emita a Comunicação de Acidente do Trabalho (CAT) para a Previdência Social;
3. Fique atento à estabilidade acidentária – caso o trabalhador fique afastado por mais de 15 dias e receber o benefício acidentário.
Fonte: Ocupacional