A defasagem acumulada na tabela do Imposto de Renda(IR) chegou, neste ano, a 88,4%, de acordo com um estudo publicado anualmente pelo Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco Nacional). Segundo o presidente da entidade, Claudio Damasceno, com a edição da Lei nº 9.249/95, a partir de 1996 até o ano de 2001 não houve atualização nos índices.
Após 2001, houve apenas uma correção, que corrigiu as faixas em apenas 17%: insuficiente para acompanhar a inflação. O parâmetro foi aplicado também nos anos seguintes até 2006, pois no exercício subsequente foi adotada a regra de correção pelo centro da meta de inflação, definido pelo Banco Central (BC).
Conforme o estudo do Sindifisco, mesmo com a medida a defasagem na tabela foi agravada devido ao IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) acumulado. Em 22 anos, a tabela foi corrigida em 109,63%, enquanto que o IPCA registrou 294,93% de atualização.
“Lembrando que este ano não temos nem previsão orçamentária, diferentemente dos anos anteriores. Além de não fazer a correção da tabela, a situação é ainda mais crítica por que o governo federal não tem sequer uma previsão orçamentaria para corrigir a tabela, o que indica que será mais complicado ainda de se ter algum reajuste”, prevê Damasceno.
Em 2018, a projeção do mercado é que o IPCA fique em torno de 3%. “Esse valor, somado aos 88,4% que já temos acumulados, irá resultar em um prejuízo maior ainda”, diz o auditor fiscal.
A defasagem na correção da tabela é mais prejudicial para aqueles cuja renda tributável mensal é menor. Assim, por exemplo, para aqueles com rendimento de R$ 4 mil, a não correção da tabela impõe um recolhimento mensal a mais de R$ 230,61, um valor 693,40% maior do que deveria ser. Já o contribuinte com renda mensal tributável de R$ 10 mil paga a mais 68,69% do que deveria. O ônus da não correção da tabela é maior para os que ganham menos, ofendendo os princípios da capacidade contributiva e da progressividade, aponta o estudo.
A correção da tabela do IR pelo índice integral da inflação evitaria uma distorção comum na política tributária brasileira dos últimos 21 anos: o pagamento de mais imposto de renda, mesmo por aqueles que não tenham auferido ganhos reais.
JC Contabilidade – Qual o motivo de uma defasagem tão grande na tabela?
Claudio Damasceno – A correção é de competência do Poder Executivo. Ao longo dos anos, desde 1996, os diversos governos não vem fazendo correções anualmente ou as fazem de uma forma que não corresponda ao IPCA do ano anterior. Isso faz com que os valores que hoje constam nas tabelas do Imposto de Renda tragam perdas para o contribuinte. No governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), em 1995, entrou em vigor a Lei nº 9.249, que trouxe algumas mudanças no Imposto de Renda Pessoa Física. A partir de 1996 até 2001 não foi efetuada qualquer correção. No governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tivemos uma correção em 2004, que não resolveu o problema da defasagem acumulada. A partir de 2007, o governo Lula implementou uma regra de corrigir a tabela do Imposto de Renda pelo centro da inflação (4,5% ao ano). Veja que em determinados momentos o IPCA deu muito mais do que isso. E o governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), em seu primeiro mandato, também repetiu a regra de Lula. Em 2015, ela fez uma correção diferenciada por faixa do Imposto de Renda. Já em 2016 e 2017 não tivemos correção com o atual presidente Michel Temer (PMDB). Quando falamos de defasagem destacamos que o IPCA, índice de inflação, acumulado do período desde 1996 até o final do ano passado foi maior do que a correção feita na tabela ao longo desses anos.
Contabilidade – Por que os governos não fazem a correção todos os anos?
Damasceno – Por que essa é uma forma fácil de arrecadar. É o chamado imposto inflacionário que o governo passa a obter. Se fosse feita a correção da tabela pelo percentual da defasagem, o limite de isenção seria de R$ 3,556 mil. Hoje é de R$ 1,903 mil. Então, atualmente, quem ganha entre R$ 1,903 mil e R$ 3,556 mil, que é a maior parte da população brasileira, está pagando um imposto que não deveria pagar. Isso significa que o governo está arrecadando algo que ele não deveria arrecadar. Investir no ganho inflacionário e na não correção da tabela de Imposto de Renda é a forma mais fácil de cumprir a necessidade de arrecadação. O Sindifisco Nacional faz um estudo anual desse tema há mais de 10 anos.
Contabilidade – A principal justificativa do Executivo é que haveria queda na arrecadação. O que o Sindifisco pensa disso?
Damasceno – O governo alega que haveria perda de arrecadação, só que o valor arrecadado hoje em dia não deveria ser este. Não dá para entender como em um País que enfrenta tamanha crise fiscal como a que vivemos um governo alega não poder corrigir a tabela por que isso seria uma perda de arrecadação. Enquanto isso, sobrecarrega uma grande parcela da população que não deveria pagar um imposto e que certamente gastaria o valor pago em necessidades básicas, como transporte, saúde, ou até mesmo poupando, investindo. É um contrassenso. Nenhum governo deveria pensar em manter esses recursos.
Contabilidade – E por outro lado há outros tributos que não vem sendo cobrados, como o Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), e outras formas de benefícios e isenções fiscais. O Sindifisco defende a criação de alguma outra forma de tributação que diminua o impacto da mudança na tabela do Imposto de Renda?
Damasceno – Nós apresentamos o Projeto de Lei nº 6.094 em 2013, no auge das manifestações populares desse ano, encampado pelo deputado Vicente Cândido (PT-SP) e que hoje tramita na Câmara dos Deputados, na Comissão de Finanças e Tributação. Esse projeto prevê, entre outras coisas, que seja retomada a tributação sobre lucros e dividendos, distribuídos a sócios e acionistas das empresas desse País. Essa tributação existia em 1995 e nessa época o presidente Fernando Henrique isentou, através da Lei nº 9.294, a tributação dos lucros e dividendos. Nós propomos a retomada dessa cobrança, pois quando falamos de sócios e acionistas estamos falando de pessoas na faixa de alta renda no País. Também consta, no mesmo projeto de lei, a volta da tributação sobre as remessas de lucros ao exterior, que também foi isenta na Lei nº 9.294. A retomada dessas duas formas de tributação seriam mais do que suficientes para uma arrecadação maior e para fazer a correção da tabela do imposto de renda aliviando o peso dos impostos sobre as pessoas físicas do nosso País.
Por: Roberta Mello
Fonte: Jornal do Comércio